sexta-feira, 13 de maio de 2016

As minhas árvores - Novo projecto




Fotografias Zito Colaço

PARQUE DA PAZ

PARQUE DA PAZ

Diziam-me os antigos, na pessoa do meu avô e seus compinchas de cartada na tasca do coreto do Seixal, que as trovoadas de Maio matavam o Verão. Nunca duvidei. Agora com vista para o Estuário, lá longe a Seca do Bacalhau, aquilo era gente que viera do Alentejo com idade de ter conhecimentos sobejos para dentro e toda a vontade de uma vida melhor de fora, ao peito, a pesar o que tivesse que ser. “É a uva que não medra, o vinho que não sai, o engaço que não pinga bagaço”. Diziam também que as culturas de estio ficam adiadas para anos menos molhados na altura errada. Mas isso eram assuntos que não me acrescentavam carrego numa idade em que a minha única entrega à agricultura era descascar favas para o almoço de Domingo. Uma frase, porém, pendeu-me da fronte até hoje: “Os pássaros morrem nos ninhos”… Fui ver. E quando a Mata dos Medos ou a Apostiça distam mais do que podemos, há o genial Parque da Paz. Que de urbano, pouco tem. É, por outro lado, uma faixa de floresta que foi, precisamente, salva do iminente urbanismo. Sim, há adições. Passadiços, pontes e circuitos alcatroados e calcetados que convidam ao passeio. Há um lago onde arribam espécies migratórias, umas em trânsito, outras para ficar, entre garças, galinhas-de-água, galeirões, maçaricos-das-rochas ou mesmo guarda-rios. Mas para lá de tudo isso há As Árvores. Os centenários sobreiros, oliveiras e pinheiros mansos, bravos e carvalhos que adensam para Sul. Formam um bosque onde o silêncio e a sombra permitem muito mais que o sossego humano. Privilegiam-nos, a eles. É aí que costumo vê-los: Pintassilgos, rabirruivos, poupas, alvéolas-brancas, piscos. Por entre a densa folhagem, há muitas vidas que decorrem à margem da presença humana. Como se aquele enorme santuário urbano tornasse cada árvore um altar. As trovoadas já lá vão. Esperamos. São muito poucas horas da manhã. Ao largo, há gente afobada em corridas e pedaladas. Aqui, neste bosque mais denso, há um melro em azáfama canora. De um sobreiro assoma um gaio. Leva caruma no bico. Talvez vá a tempo. Talvez o tempo que faz também. E as árvores do Parque da Paz, que abrigam muito mais que toda a vida que a vista abarca, só existem porque alguém foi a tempo. Aquele a que sempre vamos. Se quisermos.

Texto Nuno Miguel Dias
Fotografias Zito Colaço