Quinta dos Ingleses, as árvores e os que lutam por elas
Com os seus 52 hectares de matos, pinheiros bravos entre outras árvores e prados, casa de uma fauna variada – corvos, pintassilgos, coelhos … e no Verão há-que ouvir as cigarras - , a Quinta dos Ingleses é a última área verde significativa no litoral entre Lisboa e Cascais.
Com a sua localização privilegiada, frente à praia de Carcavelos, parece um milagre que este lugar se mantenha verde, a única ilha natural sobrevivente no mar de betão que engoliu as outrora quintas agrícolas vizinhas que faziam do lugar uma área rural. A Quinta de São Gonçalo, a da Vinha, a do Paulo Jorge, a da Alagoa, São Miguel das Encostas… A única outra restante, a do Barão, também em breve será engolida na voragem...Se a Quinta dos Ingleses se mantém verde – e silenciosa o suficiente para salientar o som da flauta com que o Zito ali se cruzou -, não é por milagre. É por ser um lugar que bate forte no coração da população de Carcavelos e de Cascais, que desde 1960 tem lutado bravamente contra os projectos imobiliários que querem substituir o verde da Quinta pelo cinza do betão.Um desses grupos a que pertenço, o SOS Quinta dos Ingleses, organiza, de 1 de maio a 12 de junho, os “Sábados na Quinta”, sete tardes para mostrar todo o valor e potencial que a Quinta tem, e que é urgente valorizar e preservar.
Porém, do lado dos que ali querem construir (ou neste caso destruir), como “água mole em pedra dura” tem-se trilhado um caminho de sucesso, nos meandros da política local. Por isso este pinhal e mata estão hoje mais ameaçados do que nunca, sobretudo porque o município de Cascais se colocou totalmente do lado do construtor, recusando lutar pela expropriação exigida pela população, a única forma de salvar a Quinta.
Uma das últimas consultas públicas sobre o projecto que determina o futuro do espaço está a decorrer até 4 de maio. Mais de 8 mil pessoas já participaram manifestando-se contra, e não admira porquê. Para além de muitos habitantes ainda recordarem, com saudade, os piqueniques em família, passeios, corta-matos, acampamentos e tantas outras coisas vividas na quinta quando ela ainda era um lugar seguro (hoje não é devido ao abandono)… Hoje sabemos como preservar as árvores que restam nas áreas urbanas é fundamental para absorver o carbono que produzimos e para salvar o Mundo da asfixia das alterações climáticas.
No Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos Sul (PPERUCS), o pomposo nome do tal projecto imobiliário, vê-se a dimensão do que se prevê para a Quinta dos Ingleses. Se o betão avançar dentro de 15 anos, restarão menos de 10 hectares da atual área verde. Praticamente só a que se situa no leito de cheia da Ribeira de Sassoeiros que a atravessa. O que restar será certamente reduzido a canteiros, alguns bancos de jardim e rega automática… Ou seja, adeus biodiversidade.
Quem se opõe à destruição da quinta verde é sobretudo a população. Mas, também demasiados já a encaram como um facto consumado. Muitos mais deviam acreditar e agir hoje, enquanto estas as árvores ainda estão de pé!
Se gente suficiente, uma imensa multidão acreditar, e lutar, para que estas árvores se mantenham de pé, e para que ali nasça um parque urbano naturalizado e seguro, onde homem e Natureza possam conviver em paz… Impediremos o nascimento de mais uma parede de betão que só por milagre não contribuirá para afundar a maior praia da Linha de Cascais, fomentando ainda mais o avanço do mar. Mas é preciso que milhares acreditem nisto e lutem por estas árvores. Essa mobilização é que não tem sido fácil…
E é pena porque além da Natureza, a Quinta dos Ingleses está cheia de Histórias…O seu verdadeiro nome é Quinta Nova de Santo António, mas ficou conhecida como a “dos ingleses” desde que estes compraram a propriedade para ali instalarem o cabo submarino – que assegurou durante décadas as comunicações entre a Europa e a América. Desses tempos restam por toda a quinta ruínas arqueológicas, como as duas torres e os edifícios onde viviam e trabalhavam os funcionários, assim como o Colégio Saint Julian’s, que os ingleses fundaram para educar os filhos na língua mãe, e que ocupa até hoje o centro da propriedade. Reza a História também que foi nesta propriedade que teve lugar o primeiro jogo de futebol em território português. Ou não fossem “eles” ingleses. Só esta parte da história da Quinta era digna de ser contada num museu…
Mas ainda antes da chegada dos ingleses, a Quinta Nova de Santo António fora propriedade florestal e agrícola, produtora de cereais e do célebre vinho de Carcavelos, fomentado na região pelo Marquês de Pombal.
A História da Quinta é longa e começou a ser polémica na década de 1960, quando a Associação Saint Julian’s, a quem ainda pertence a propriedade, quis rentabilizar os terrenos que, à beira mar, despertavam a cobiça do sector imobiliário. Para ali foi desenhado um projecto megalómano com dezenas de torres habitacionais, à semelhança do que se faria pela mesma altura na Costa da Caparica, Algarve, Litoral Norte… Erguer torres e mamarrachos era então muito moderno.
Em volta, as históricas quintas agrícolas de Carcavelos foram sendo sacrificadas à modernidade e substituídas pelos bairros residenciais que hoje ocupam de forma contínua este território… o tal vinho generoso de Carcavelos que o Marquês criou, foi uma das vítimas, e desapareceu da freguesia que lhe deu nome, existindo hoje somente na vizinha Oeiras.
A Quinta dos Ingleses, apesar do tal projecto é a única que se mantem verde, devido à teimosia de um punhado de habitantes, mas está mais ameaçada do que nunca. Em 2022 é a data limite para o arranque das obras que ditarão o seu fim. Restam-nos poucos meses para impedir o pior.Hoje é preciso que muitos acordem e se ergam para defender esta e outras “quintas” das máquinas, e do Homem!
Anabela Pereira Fernandes
SOS Quinta dos Ingleses
Fotografias Zito Colaço
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