Uma dor surda cresce na sombra. Lisboa já não é a cidade da luz diáfana, mas um labirinto trevoso sem ponto de fuga. A cidade, símbolo de progresso e civilização na tradição clássica, não passa hoje de um presídio de almas à deriva sujeitas à lei de Darwin, ao princípio sacrossanto de que só o mais forte sobreviverá. Uma náusea fria e cinzenta tolda os sentidos e depressa a confusão cognitiva e o vazio emocional tornam-se o cimento de um pânico crónico. Cimento real e metafórico que aprisiona corpo e espírito num colete de forças psíquico. Mas talvez haja um caminho de regresso à terra pura da liberdade. E para fazer o caminho é preciso atravessar uma ponte, onde as dúvidas e os medos acenam com os velhos fantasmas. Mas do outro lado da ponte, ultrapassando a vertigem do abismo, fechando os olhos e respirando fundo, abre-se um novo horizonte e insinua-se um sentido, tão fresco como uma manhã de Primavera. Na Mata dos Medos, pulmão verde da margem sul do Tejo, onde as árvores são seres vivos e pulsantes (ao contrário dos espectros fantasmagóricos que habitam a cidade) dá-se o reencontro com Gaia, a grande Mãe. E com Eros, a pulsão primordial, e sexual, vivificante na presença misteriosa de uma mulher enigmática..Afinal, a cidade podia ter tentado matar Deus e esvaziar os céus e a terra de sentido (Nietzsche dixit), mas o Amor não é facilmente aniquilável. E no regresso ao seio materno da natureza, o Amor faz-se anunciar de novo. Só que, enquanto o Amor de Gaia, a Mata dos Medos, é estabilizador e aconchegante, o Amor de Eros, o misterioso vulto feminino, é imprevisível nos seus desígnios.E da mesma forma com que se faz anunciar sem aviso prévio, também pode eclipsar-se como uma miragem etérea que joga às escondidas com a volatilidade do desejo humano.
Texto Nuno Costa
Fotografia Zito Colaço
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