sábado, 28 de janeiro de 2012

Era uma vez um rato, um coelho e uma raposa...

Rato
Coelho
Raposa

O Lugar Desconhecido - Últimos Contos da Mata dos Medos de Álvaro Magalhães
O Amor, seja lá o que isso for, chegou à Mata dos Medos.
O Rato Apaixonado, que anda a ver se apanha a Lua para oferecer à sua namorada (e acreditem que vai conseguir), diz que o «Amor é o Lugar Desconhecido, onde tudo pode acontecer».
E, de um modo ou de outro, todos acabam por lá chegar. Por fim, até o Chapim. Um mar de paixões, cheio de euforias e confusões, vai assim agitar a Mata dos Medos. E nada voltará a ser o que era nesta paisagem de dunas, arribas e oceano, onde podemos desfrutar do magnífico espectáculo natural que Almada a todos oferece.

Mata dos Medos é um lugar pra lá do oceano, onde se lê a vida de outra forma. Medo mesmo não é medo. É, em português lusitano, médo, assim com “e” aberto. E significa montes de areia que o vento forma nas praias, mais precisamente numa faixa litorânea entre Almada e Sesimbra.
O livro é um carinho que reúne personagens distintos e mensagens encantadoras. A começar pelo Ouriço, quase um preguiçoso que, no fundo, descobrimos se tratar de uma pessoa que simplesmente não abre mão do seu tempo. É assim seu “olarilolé”.

Não fazer nada,
não ir a lado nenhum,
não pensar nisso sequer,
que bom que é.
Olarilolé!

O sol a aquecer,
as coisas a acontecer,
e, no meio de tudo isso,
um lindo ouriço
sem ter nada que fazer
a não ser ouriçar
de barriga para o ar.

A história toda começa com o Coelho, que tinha uma letra danada de entender. Bastou deixar um bilhete na porta, que dizia: “Fui procurar folhas”, para o “f” virar “r” e o veredicto ser: Coelho teria saído atrás de rolhas para construir um colete salva-vidas. Medroso que era, tinha medo de o mar inundar a mata e acabar com tudo. (Viu só a confusão da turma?).
Tudo se desenrola com verdades próprias, longe do que o Coelho pudera imaginar. Toupeira é um sábio, a Lagarta uma processionária, pequenina que vive em fila para o trabalho. E Chapim, um passarinho ocupado que vai de um lado pro outro sem parar (inclusive para pensar na vida).
Pensar na vida, inclusive, é como fazer perguntas sem respostas. Mas eles adoram discutir a felicidade, o que atormenta o passarinho. Como uma espécie de pesadelo, ele enxerga a pergunta “Você é feliz” em todos os lugares que seus olhos alcançam. “Para o Ouriço, a felicidade é apreciar a vida e não fazer nada. Para o Coelho, é encontrar muitas coisas. Para a Pequenita, é poder voar. Para a Touperia, é cavar um bom túnel e depois ler um bom livro”. Só ele, pobrezinho, não sabe o que possa ser.
O livro continua cheio de sensibilidade e as histórias passam por capítulos em que a relação de amizade é reforçada da melhor maneira posssível, acompanhando, sutilmente, a troca das estações do ano. Até que chega o inverno e com ele uma noite tempestuosa, fria e horrenda…
O final, se é que o livro termina, eu não vou contar. Para isso, você vai ter de ler as palavras do autor português Álvaro Magalhães, nessa obra linda editada pela SM e ilustrada por Cristina Valadas – cujos desenhos, graciosos, parecem ter saído de um caderno de criança.
Ah, e só para fechar… Eu adoro de um jeito especial um diálogo entre o Coelho e a Lagarta. Vai ver é porque fala justamente dos livros, dos papéis, de como as histórias entram e saem da gente. De como a poesia, essa sim, sempre cai bem…
– Pois é. Quando vires um livro, lembra-te de que há nele a carne e o sangue de uma árvore.
– Pode ser – concordou o Coelho. – O problema é que eu não vejo estes livros como livros, mas como Cadeiras Muito Úteis, Sofás Muito Úteis, Mesas Muito Úteis.
– Se nos esquecermos disso, são apenas livros. E comem-se – disse a Pequenita.
– Papel tenrinho, sem umidade. Um livro bem escrito tem sempre melhor sabor, porque alguns são intragáveis. Aquela Mesa Muito Útil, por exemplo, comi ontem um bocado dela e tinha palavras estragadas. Vomitei páginas inteiras, as piores, as que me deram a volta à barriga. A poesia, normalmente, cai bem no estômago, enquanto a História, por exemplo, é bem indigesta. Romances, histórias de amor, grandes aventuras, disso é que eu gosto. Tantos personagens deliciosos que eu conheci. Aconteça o que acontecer, no final vão todos para o céu da minha boca.
– Parece impossível – disse o Coelho. – Devoraste essa gente toda. Não te sentes pesada?
– Nem um pouco. Mesmo os maus agradaram-me. Alguns, foi a primeira vez que gostei deles.
O Coelho já estava a sentir comichões e afastou-se mais. Depois, perguntou:
– Já comeste algum livro que fale do dia em que o mar invadiu a mata?
– Que livro é?
– Não sei.
– Já comi umas páginas de O velho e o mar. Será esse?
– Falava do mar a invadir a Mata dos Medos?
– Não me lembro, mas acho que não.
Vai ver também é porque, mesmo falando de histórias, não dá pra citar O Velho e o Mar sem ao menos rever esta belíssima versão de Alexander Petrov (que em 2000 levou o Oscar de melhor curta de animação). E que, de certa forma, tem tudo a ver com a Mata dos Medos, desta vez sem o “é” aberto. Não?


Fotografias Zito Colaço
LoveTreesProject

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